Bloomsday 2000

Date: Sun, 18 Jun 2000 11:47:18 -0300

From: fernando landgraf <landgraf@ipt.br>

To: Renato Cohen, Guina Medici, Helio Goldenstein, Frank Missell

Amigos

aqui, foi assim:

Saí do IPT depois de um dia de curso de aços elétricos tendo dado aula o

dia inteiro. Saí as 18:30, pois eu e Marilia ainda estavamos terminando

um recozimento de lâminas de aço elétrico naquela hora.

Saí em disparada, passei em casa, agarrei meu exemplar do Ulysses, minha

maquina fotografica e cheguei ao Finneganīs as 19:00. Meio vazio.

Perguntei ao porteiro: e o Bloomsday? um garçon de sotaque cearense

respondeu "música aqui só aos domingos". Ainda bem que o porteiro disse:

tem um papel ali no balcão. Acho que é na Cervejaria Continental....

Caramba. 19:30, na Juscelino. de Pinheiros ao Itaim em 30 minutos, numa

sexta feira as 19h. Xiii.

Tudo parado na Groenlandia. Reolho o folheto. O programa do evento, etc.

No verso, algo que parecia um texto com defeito de impressão. Em letras

maiores, um trecho do episódio Cyclops.

Transito anda e pára. E tenho que tirar os óculos pra ler. Deixa ver.

Caceta, não entendi nada. Palavras em ingles que não conheço. Saco. Mas

cadê o Polifemo? Ah... não é defeito, é um outro texto superposto.

trecho da Odisseia. Que gracinha. Leio de novo. Ainda não entendi.

Alguém pega uma lata. Citizen Joe. Juscelino parada. Tunel sob a Santo

Amaro. Não chove há meses. Poluição em tubnel sempre dá mais medo. Já

estamos no numero 800... Já passou. Oba, uma vaga aqui na esquina.

19:30. 500m até a tal Cervejaria.

Entro num lugar grande, ao fundo aqueles tonéis de latão polido das home

made brewery. Um palco, cadeiras, poucas pessoas. Um CD. Quanto devo?

Nada. Ah. Ah, quero mais um, não pode, fala com o Marcelo Tapia, ah

pode, sabe o que é, tem o Bloomsday de Santa Maria, ah, já ouvimos

falar, então, este aqui é prá eles. Dizer, este é pro Guina não quer

dizer nada pra essa gordinha.

Uma senhora simpatica diz, ali atras tem uma revista com um texto sobre

o Joyce. Revista Cult.

ôpa, lá vem o George Lucki, do IPEN. Georgi, e aquela foto que voce

tirou no Bloomsday de 97? Eu trouxe hoje a máquina para tirar uma foto

sua que só darei se voce der a minha.

Aquela senhora, que estava ao meu lado parece dizer: quando voce faz 15

anos?

Será que ela disse isso? 15 anos ela disse. Será que estou

inconveniente? Será que estou hiperexcitado? Vou tomar uma cerveja.

Sentada numa das fileiras, uma mulher bonita, assim meio Luiza Brunet.

Olho de longe. Ela olha. viro-me.

Ah, vou escrever umas coisas no meu exemplar de Ulysses. Aquele que o

Frank me deu em 1986. Hum. Na página de rosto. "Bloomsday de 2000, etc"

Será que esse exemplar agora vale mais? Quer dizer, daqui ha uns 50

anos.

Ele vai pro lixo antes que algum outro fan volte a compulsa-lo.

Nunca se sabe. Pouco provavel que Joana, ou Martim... Prometo-me (e

agora, a vocês) que nunca vou

chamar um dos dois e mostrar esse exemplar, nos proximos 10 anos. Será?

Nem quando eu , dia 16 de junho de 2010, passar correndo em casa e pegar

o livro para ir ao Bloomsday? Sei lá. Agora todo ano vou escrever alguma

coisa.

caramba, este ano não li nem uma linha do episodio Circe. Assim não vou

acabar de le-lo nunca.

Olha lá, aquela senhora sentou-se na segunda fileira e tem lugar na

frente dela.

Vou lá. Falar o que? 30 anos se passam e é sempre esse problema. Como

começar o papo com as moças. Vamos lá.

Obrigado pela ajuda lá na entrada. "Ah, nós da comunidade da lingua

inglesa temos que nos ajudar, não é?"

Meu nome é Fernando "meu nome é Rosa".

Estou apaixonando-me. Harold and Maude.

Quantos bloomsday? "Ah, sou ruim de datas. Uns 10. Antes foi naquele bar

do Brooklin." . É também fui lá. Gerald Thomas, Bete Coelho.

Munira Mutram senta-se ao nosso lado. Esse ano temos Bloom! Com um

sorriso ela diz "Sim, esse ano temos." Reconheceu-me. Também, depois de

todos aqueles anos em que eu gritava ao final de mais um Bloomsday sem

Bloom: "Cadê o Bloom? Cadê o Bloom?"

Digo que gostei do convite, mas não encontrei o Polifemo. Um sorriso. "

É um palimpsesto. Na abertura eu explico".

Mas Rosa, o que você faz? "Trabalhei muitos anos na União Cultural

Brasil-Estados Unidos, agora faço umas disciplinas na Pós da Letras. Um

curso lindo de dramaturgia comparada. OīNeal e Nelson Rodrigues. Antes

lia Ulysses uma vez por ano. Agora menos. Antes trabalhava das 7 as 7,

só lia coisas importantes, só primeira água. Agora posso ler coisas

menos importantes e gostar.

Fico olhando para ela. "Sabe, existe vida após o trabalho". Então existe

vida inteligente após a aposentadoria? "O mundo não é o inglês, ou o

magnetismo".

Estou perdidamente apaixonado.

"Bom, pelo menos enquanto a gente não começa a desequilibrar" (Não foi

essa a palavra, não consigo lembrar-me).

É, sempre penso no meu pai, fico querendo identificar em que momento

começará a perda do senso.

"Quantos anos ele tem?"

76.

"É meu próximo aniversário".

E aí começou a festa.

Munira deu um lindo resumo do palimpsesto, com vários olhares para mim.

Vou reler o capítulo. Bloom, depois do enterro, fala sobre pacifismo num

bar e acaba desgotando o barman brutamontes belicoso e a coisa

degringola, os amigos de blomm tiram-no correndo do bar, o brutamontes

sai atrás, seu raivoso cachorro também (será quele mesmo cachorro que

incomoda o raciocínio de Stephen, no trecho do Circe?) e joga uma lata

de cerveja no carro em fuga. Polifemo.

Noutro trecho de leitura, do capítulo Hades, Blomm fantasia sobre sexo

no cemitério. Bárbara citação de Romeu.

Leitura de trechos do De profundis, Wilde na cadeia escrevendo pro

Lordinho Alfred, pesadíssimo, sobre o amor. A dor do amor!

Canções irlandesas cantadas pelo Marcelo Tapia e por duas moças. Lindas,

as canções. Cantou até Finneganīs Wake. O título do livro vem de uma

canção. Tudo no CD.

Foi assim. Não pedi o telefone da Rosa. Ano que vem...

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saudações magnetotelúricas de

Fernando Jose Gomes Landgraf